Famílias estão mais curiosas pelas taxas fixas e mistas do empréstimo habitação. Mas estes juros têm riscos para os bancos. Quais? Fonte: Idealista News
Hoje, a Euribor está a disparar para todos os prazos, deixando em alerta as famílias que têm créditos habitação de taxa de juro variável, já que as prestações da casa vão acabar por ser atualizadas em função da subida da taxa contratada – a 3,6 ou 12 meses. E dada a instabilidade do mercado financeiro, há cada vez mais famílias a olharem para a taxa fixa do crédito habitação, porque aqui a prestação da casa não mexe. Mas se a contratação de juros fixos aumentar, poderá gerar riscos para a solvabilidade dos bancos e despoletar uma nova crise financeira. Explicamos porquê.
Em Portugal, a maioria dos empréstimos da casa são de taxa variável. E há um motivo principal que explica a adoção em massa pelas taxas de juro variáveis: são mais baixas que as taxas fixas. Além disso, até ao início de 2022 a Euribor estava negativa, dando descontos nos spreads dos bancos (isto é, a margem financeira das instituições pelo empréstimo do dinheiro).
Mas com a inflação a subir devido à guerra da Ucrânia e as taxas Euribor a disparar, as taxas de juro variáveis dos créditos habitação passaram a ser sinónimo de instabilidade e imprevisibilidade. E, neste contexto, “há famílias muito mais sensíveis ao tema da taxa mista/fixa e que nos questionam por ofertas desse tipo de produto”, partilha Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal.
E esta opção poderá ser mais adequada em que casos? “Para as famílias que têm o orçamento mais reduzido é aconselhável avaliar bem o cenário de taxa fixa ou mista mesmo que paguem mais numa primeira fase, pois em caso de subida acentuada da Euribor podem ser apanhadas desprevenidas”, explica o responsável em entrevista ao idealista/news. Para os outros casos, Miguel Cabrita indica que as famílias devem decidir “se querem estar expostos ou não à volatilidade da Euribor e se o preço mais alto a pagar no imediato pela taxa fixa se justifica ou não”. Hoje, também os bancos apontam a taxa fixa do crédito habitação como refúgio financeiro para as famílias.
Ao fixar a taxa de juro, a prestação da casa não mexe de início ao fim do empréstimo. Mas as taxas fixas também estão a subir neste contexto, porque os bancos acabam por adequar a oferta ao preço do dinheiro. A oferta taxa de juro fixa a 30 anos agora ronda os 2%, enquanto no início de 2021 era inferior a 1,5%.
Qual é o perigo das taxas fixa no crédito habitação para os bancos?
Em Portugal, os créditos habitação de taxa fixa têm um peso pequeno face à totalidade dos empréstimos da casa. Mas, neste contexto de instabilidade, o número de hipotecas de taxa fixa poderá aumentar. A questão é que os bancos ao suportarem uma grande fatia de créditos de taxa fixa poderão ficar em risco.
“Os bancos comerciais ao aceitaram este modelo e aumentarem o peso dos créditos habitação de taxa fixa no seu balanço, (…) a gestão do risco deste tipo de taxa necessitaria de, pelo menos em parte, da contratação dos swaps necessários converter a taxa fixa em taxa variável”, explica Miguel Córdoba, professor de economia e finanças há 33 anos, num artigo de opinião publicado pelo idealista/news Espanha, notando que os empréstimos da casa são responsabilidades de longo prazo quer para os titulares do crédito quer para os bancos.
Os créditos habitação de taxa fixa dão segurança às famílias, mas o “problema” é que os mesmos representam “um risco para os bancos que os concedem e para os livros de derivados dos bancos que aceitaram a contratação de swaps de taxas de juro”, explica ainda o professor. “Se este fenómeno afetar apenas uma pequena parte do balanço, o risco estará controlado”, refere. Mas se chegarmos a uma situação em que um dos principais ativos da banca, os créditos habitação, são de taxa fixa poderá haver riscos a considerar, alerta, explicando que em Espanha a contratação de hipotecas de taxa fixa passou de 2% em 2008 para representar mais de 70% em 2022.
Mas afinal o que é a taxa de juro swap? Segundo o Banco de Portugal, “é uma taxa de médio/longo prazo para diferentes prazos e, por conseguinte, com um valor para cada um dos respetivos prazos de referência, designadamente, de 1 a 10 anos, 12, 15, 20, 25 e 30 anos)”. Esta é a taxa de juro fixa de referência do mercado interbancário, divulgada diariamente pela ISDA (International Swaps and Derivatives Association).
Embora os créditos de taxa fixa deem estabilidade às famílias, poderão ser maus para os bancos. Isto “se o Governo tiver de socorrer os bancos que assumem o risco de taxa de juros e, no final, tivessem que ser limpos com dinheiro público”, explica Miguel Córdoba. É preciso não esquecer os erros do passado para compreender o que poderá acontecer. Regressando à crise financeira de 2008, recorde-se que Tesouro norte-americano teve que injetar 80 bilhões de dólares para salvar da falência a principal seguradora do mundo, a North American American International Group (AIG), e ajudar todas as entidades financeiras que cobriram os seus créditos habitação de alto risco com ‘credit default swaps’ (CDS), derivativos de crédito emitidos pela AIG.
“Esta mesma situação poderá ocorrer com os ‘interest rate swaps‘ (IRS) a longo prazo, pelo que os grandes bancos que aceitaram a contrapartida destes IRS poderão ter problemas de solvabilidade num futuro próximo. E “se não fossem resgatados, o problema poderá expandir-se como uma mancha de óleo entre muitos dos bancos que acreditavam ter coberto o risco das taxas de juro de seu balanço”, afirma ainda o professor de economia espanhol.
Também a subida das taxas de juro diretoras em 50 pontos base pelo Banco Central Europeu poderá mexer com o custo dos swaps. “É preciso ter em conta que a previsível subida dos juros para conter a inflação tornará os ‘swaps’ notavelmente mais caros e supõe liquidações de diferenças muito onerosas para os bancos que assumiram esse risco de contrapartida dos empréstimos habitação de taxa fixa”, acrescenta Miguel Córdoba.
Qual é a solução para reduzir os riscos da taxa fixa dos créditos habitação?
“A solução passaria por estabelecer um coeficiente específico para cobrir esse risco de contraparte no âmbito do Mecanismo Único Europeu de Supervisão (MUS). Seria necessário fixar o nível máximo de exposição ao risco de contraparte para créditos habitação de taxa fixa e, em seguida, estabelecer uma cobertura de capital adicional de 100% para todo o volume de excesso acima desse nível máximo, de modo a que os bancos comerciais estejam cobertos do possível ‘default’ dos seus bancos de contraparte na contratação de derivados”, refere o professor.
“Qualquer outra abordagem significaria uma exposição desnecessária das finanças do Estado e mesmo das finanças europeias, a um risco de contraparte que poderia levar a um buraco financeiro que, após as sucessivas crises que vivemos, poderia acabar com muitas instituições financeiras e, o que é mais importante, com a sólida reputação da banca europeia”, alerta ainda.
O professor de economia e finanças acredita que a prevenção é essencial, embora admita que isso significaria “mais uma reviravolta nas exigências de capital do sistema bancário e que poderia afetar as suas demonstrações de resultados”. Mas, neste momento, o mais importante é “preservar nosso sistema financeiro e evitar o escândalo (…) ocorrido há uma década”, conclui.